A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) publicou no Diário Oficial da União de 22 de fevereiro de 2018 a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 214 sobre as Boas Práticas em Células Humanas para Uso Terapêutico e pesquisa clínica. Para a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), as normas podem comprometer o avanço da terapia celular e do transplante de medula óssea no Brasil. A elaboração do texto não contou com a participação da ABHH.
Para Gil Cunha De Santis, hematologista do Hemocentro de Ribeirão Preto e integrante do Comitê de Hemoterapia e Terapia Celular da ABHH, o texto restringe as opções de tratamento, pois exclui potenciais doadores por razões não justificadas.
“É importante lembrar que é muito restrita a probabilidade de encontrar doador compatível de células tronco hematopoéticas. O mais comum é que o paciente disponha de apenas um doador (frequentemente, de nenhum), de modo que, para ele, a doação tem um valor enorme, que pode significar sua única chance de se curar de uma leucemia, por exemplo. Essa é uma situação muito diferente da doação de sangue, em que as possibilidades de encontrar sangue compatível é a regra. Por isso, os critérios de aceitação de doação de células tronco têm, obrigatoriamente, de ser menos restritos. A RDC em questão impõe a exclusão de doadores por razões descabidas”, explica De Santis.
Um exemplo é o artigo 126, inciso XI, em que se estabelece que todo candidato a doação de células para transplante alogênico que tenha restrições à doação de sangue está temporariamente inapto ao transplante. “É um equívoco do legislador. Por exemplo, o candidato à doação de sangue que fez tatuagem dois meses antes, teria de esperar outros dez meses para doar medula óssea para seu irmão com leucemia. Há vários outros artigos que impõem restrições igualmente injustificadas”, aponta o especialista.
“Houve falta de compreensão na elaboração da RDC. Foi usada a mesma lógica da doação de sangue que, no caso de transplante de células tronco, poderá impedir que o paciente possa ser tratado”, explica De Santis.
Outro ponto levantado pelo hematologista é sobre a necessidade de aprovação da Anvisa para pesquisa clínica. O artigo 10 estabelece que “os produtos de terapias avançadas somente poderão ser disponibilizados para pesquisa clínica após a aprovação do projeto de pesquisa clínica pelo Sistema CEP/CONEP e pela Anvisa”.
“O artigo não havia sido incluído no texto submetido à consulta pública e não consta que alguém tenha sugerido a sua inclusão no texto final. Parece até o que no meio político é denominado de ‘jaboti’, uma espécie de penduricalho que destoa da lei em que foi ele inserido de maneira sub-reptícia”. De Santis acredita que o novo modelo prejudicará o desenvolvimento de pesquisas em decorrência da burocracia. “Em resumo, haverá mais uma instância para avaliar [a pesquisa], inclusive sem prazo para a deliberação, o que poderá ser um entrave à pesquisa clínica em terapia celular”, finaliza.
As regras entrarão em vigor a partir do dia 22 de abril, 60 dias após a publicação do texto.