Médicos especialistas em mieloma múltiplo, tipo de câncer de sangue, apontam que doença pode se tornar crônica a partir de terapias ainda não disponíveis no País
Hematologistas especializados no tratamento de mieloma múltiplo, Angelo Maiolino, Vania Hungria e o americano Robert Kyle, figura de destaque internacional na terapia desse tipo de câncer de sangue, expuseram em evento da International Myeloma Foundation (IMF) que a maior dificuldade dos pacientes no Brasil é o acesso a novas drogas. Com os novos medicamentos disponíveis, a doença pode ser controlada e se tornar crônica.
O mieloma múltiplo é um câncer originário da medula óssea, tecido formador de célula de sangue que está no corpo todo, e pode ser assintomático ou sintomático, ou seja, ter sintomas que se manifestam – como anemia, fraqueza e dor nos ossos – ou não quando a doença é diagnosticada. Originária dos plasmócitos, células responsáveis pela produção dos anticorpos que são proteínas que identificam e destroem agentes infecciosos (imunoglobulinas), o mieloma é um câncer maligno.
Diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), Angelo Maiolino explica que no mundo há uma vasta opção de novas drogas que ainda não chegaram ao Brasil, sendo que algumas essenciais não foram aprovadas e outras aprovadas não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
“Para tornar o mieloma múltiplo uma doença crônica, é necessária uma associação de medicamentos após o autotransplante de células hematopoéticas, procedimento realizado em pacientes de até 65 anos. Essas células são congeladas a -96° C e implantadas novamente após a quimioterapia. O segundo passo é o uso de medicamentos”, informa Maiolino, que também é professor de hematologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A associação mais utilizada é o bortozomibe – fornecido pelos planos de saúde, mas com distribuição irregular pelo SUS – e a lenalidomida – um imunomodulador que não provoca efeitos indesejáveis como neuropatias (formigamentos das mãos e pés), ao contrário da talidomida, disponível em 70 países, inclusive da América Latina (alguns já têm a terceira geração da droga, a pomalidomida), porém, ainda é enfrentada longa batalha para trazê-la ao Brasil. Com essa combinação de medicamentos e o transplante, há uma boa resposta clínica. Para os pacientes elegíveis para transplante, há combinação de três medicamentos com taxas de até 90% de resposta com ciclos de talidomida/ dexametasona/bertozomibe.
Para Maiolino, o que ocorre no Brasil é uma incompreensão. Há possibilidade de o mieloma ser uma doença crônica, mas é preciso tratar com novas drogas para que as dores desapareçam e se prolongue a vida dos pacientes, como a lenalidomida e novos medicamentos para combinações eficazes. Essa é a luta da IMF e dos pacientes que precisa ser movida com foco no problema de acesso às drogas que já estão no mercado e as que ainda virão via registro. “O acesso ao medicamento é inaceitável. Temos um grande número de novas drogas que não são inseridas. A última para o mieloma foi o bortozomibe, que demorou mais que o habitual. Não podemos aceitar isso – não só o problema no registro, mas também problemas na incorporação e distribuição dessas novas drogas e falta de acesso a novos medicamentos”, pontua.
Membro da ABHH e professora da Santa Casa de São Paulo, Vania Hungria explica que o mieloma é uma doença difusa que se espalha, mas em pontos específicos. A doença não necessariamente será sempre igual na progressão, que acontece quando há mudança no nível de proteína. O que resolve é o paciente conhecer o efeito adverso que o medicamento traz. A talidomida é usada no início, a lenalidomida é um imunomodulador que não dá formigamento. No Brasil, o arsenal de drogas é diferente dos Estados Unidos. A alta dose de melfalano na quimioterapia vai diminuir a doença associada; a lenalidomida, pomalidomida e carfilzomibe ajudam, mas ainda não temos nenhuma dessas drogas.
Sobre os medicamentos, Robert Kyle explica que hoje há o bortozomibe, administrado apenas em intervalos semanais com injeções subcutâneas porque a frequência de neuropatia periférica é menor. E em outros países existe a pomalidomida por via oral e o carfilzomibe, ainda não aprovados no Brasil, além da bendamustina – agente alquilante utilizado na Guerra Fria e que tem atividade no mieloma múltiplo.
Ainda há estudos em andamento com mais dois agentes, Daratumumabe e SAR 650984. Cabe lembrar que nenhuma outra doença tem tanta progressos no tratamento quanto o mieloma, que pode se tornar uma doença crônica e haver grande melhora na vida dos pacientes.