A Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) está lançando o “Relatório Científico sobre Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN)”, um guia para ajudar médicos de todo o País a detectar a doença, que é rara e de difícil diagnóstico.  O material foi elaborado por três médicos especialistas na área – Dra. Sandra Fátima Menosi Gualandro, professora de Hematologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); Dr. Phillip Scheinberg, chefe de Hematologia Clínica do Hospital A Beneficência Portuguesa de São Paulo, e Rodolfo Delfini Cançado, chefe do Serviço de Hematologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

O documento foi apresentado durante um curso da Escola Brasileira de Hematologia (EBH) sobre doenças raras hematológicas, realizado em Goiânia (GO) em setembro. Ele possui linguagem científica, porém acessível a médicos de qualquer especialidade. É composto por cinco páginas e pode ser obtido gratuitamente no site da ABHH. “Nosso objetivo é ajudar os médicos a detectar a doença, cujo diagnóstico, em média, demora dois anos”, explica o Phillip Scheinberg.

Estima-se que de 6% a 8% da população mundial sofra com alguma doença rara, o equivalente a aproximadamente 420 a 560 milhões de pessoas. A maioria, 80%, é de origem genética1.. O diagnóstico é o grande desafio para pacientes e, principalmente, para médicos, que têm pouca familiaridade com grande parcela das enfermidades.

A Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) é uma doença hematológica ultrarrara2, com prevalência – número total de pessoas doentes- de 15,9 pacientes por milhão de habitantes, e incidência anual (quantidade de pessoas que foram diagnosticadas com a doença durante um ano) de 0,13 pacientes por 100 mil habitantes3. A doença acomete igualmente homens e mulheres, predominantemente entre os 30 e 40 anos de idade4 e consiste na má formação de glóbulos vermelhos e ativação de plaquetas no sangue devido à desregulação do sistema complemento, um dos mecanismos de defesa normais do nosso organismo contra infecções5. É uma doença crônica. Acreditava-se que se proliferava exclusivamente à noite, daí o nome “noturna”, mas hoje se sabe que também se mantém ativa durante o dia6.

A enfermidade é causada por uma mutação adquirida no gene PIG-A de uma única célula-tronco na medula óssea2. Nas pessoas com a doença, essas células com mutação se proliferam rapidamente, levando a um grande número de glóbulos vermelhos defeituosos, que são destruídos continuamente. Esse processo libera o conteúdo tóxico dos glóbulos vermelhos no sangue, podendo afetar diversos órgãos e levar à morte2,5,6.

“O principal sintoma é a trombose, que pode ser de veias ou artérias, e também a principal causa de morte5. É comum o relato de que a primeira urina do dia passe a ter cor muito escura, indicativo de que há hemoglobina no sangue. Mas isso pode não ocorrer em todos os pacientes. Alguns deles se queixam de fraqueza, sonolência, dores abdominais e dificuldade para engolir”, explica o especialista. Em vários casos, anemia, trombose ou falência renal podem aparecer antes do diagnóstico. Pode haver disfunção erétil entre os homens2,5,6.

O diagnóstico é feito através de história clínica, exame físico e exame laboratorial específico chamado citometria de fluxo, que consiste na contagem de células7. “Esse é o teste de mais alta qualidade e acuracidade. É comum o diagnóstico sofrer atraso de um a mais de 10 anos, pois os sintomas aparecem em diferentes momentos, de acordo com o paciente”, conta Scheinberg.

Cinquenta por cento dos pacientes com HPN morrem em 10 anos após o diagnóstico, apesar das terapias de apoio, como anticoagulação, transfusões sanguíneas e imunossupressão8. A doença era historicamente tratada por meio de procedimentos como transfusão de sangue, terapia com ferro e ácido fólico e administração de hormônios8. O Transplante Medula Óssea (TMO) é a única terapia potencialmente curadora, desde que haja doador compatível, mas está associada à morbidade e mortalidade significativas. Estudos clínicos apontam para um risco de mortalidade de 32-42% e de desenvolvimento de DECH (Doença do Enxerto contra Hospedeiro – doença que ocorre quando a medula nova rejeita o organismo) de cerca de 50% 9,10.

Atualmente, há um único medicamento disponível para tratar a doença, que se mostrou efetivo em diminuir a hemólise crônica, reduzindo em 73% a necessidade de transfusão sanguínea 11-14. “Os estudos apresentam uma a taxa de sobrevida para os pacientes tratados com o medicamento foi significativamente melhor do que a de pacientes com HPN tratados com terapias de apoio. É um grande avanço”, esclarece o médico.

Referências:

1  https://www.eurordis.org/sites/default/files/publications/Fact_Sheet_RD.pdf

2 Hill A, et al. Nat Rev Dis Primers 2017; 3:17028.

3 Hill A, et al. Blood 2006; 108(11):290a.

4 Socie G, et al. Lancet 1996; 348:573-577.

5 Hill A, et al. Blood 2013; 121(25):4985-96.

6 Parker C, et al. Blood. 2005;106(12):3699-3709.

7 Borowitz MJ, et al. Cytometry Part B Clin Cytom. 2010; 78B:211-230.

8 Hillmen P, et al. N Engl J Med. 1995; 333:1253-1258.

9 Santarone S, et al. Haematologica 2010; Jun,95(6):983-988

10 de Latour PF, et al. Haematologica 2012; 97.

11 Hillmen P, et al. N Engl J Med. 2006; 355:1233-1243.

12 Brodsky RA, et al. Blood. 2008; 111:1840-1847.

13 Hillmen P, et al. Br J Haematol. 2013; 162:62-73.

14 Kelly RJ, et al. Blood 2011; 117:6786-6792.