Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) informa com parecer técnico, recomendação aos bancos de sangue sobre como o diminuir o risco potencial de transmissão do vírus pela transfusão sanguínea
Durante a epidemia do vírus Zika na Polinésia Francesa entre 2013 e 2014, 2,8% dos doadores voluntários de sangue tiveram resultados positivos confimados para o RNA viral após realização de um teste de amplificação do ácido nucleico (NAT) em 1.505 doadores assintomáticos. Neste estudo nenhum caso de transmissão pela transfusão foi documentada. Entretanto, assim como ocorre com outros flavivírus, a existência de candidatos à doação virêmicos e assintomáticos, ou seja, contaminados com o vírus, porém sem manifestação dos sintomas, faz com que a transmissão do vírus Zika pela transfusão seja possível. Recentemente dois prováveis casos de transmissão pela transfusão foram descritos na região de Campinas – SP. Este documento produzido pelo Comitê de Doenças Infecciosas Transmitidas por Transfusão da ABHH contém recomendações que podem ser aplicadas pelos bancos de sangue em áreas com transmissão ativa do vírus com o objetivo de diminuir o risco potencial de transmissão do vírus pela transfusão sanguínea.
A recusa temporária na triagem clínica:
Candidatos à doação de sangue com infecção recente confirmada pelo vírus Zika devem ser recusados por um período mínimo de 30 dias após resolução completa dos sinais e sintomas;
Candidatos à doação de sangue com história clínica recente consistente com doença causada pelo vírus Zika (combinação de alguns dos seguintes sinais e sintomas: febre, exantema, conjuntivite, artralgia, cefaleia e fraqueza) devem ser recusados por um período mínimo de 30 dias após resolução completa dos sinais e sintomas;
Parceiros sexuais de homens com infecção suspeita ou confirmada pelo vírus Zika nos últimos 3 meses devem ser recusados por um período mínimo de 30 dias após o último contato sexual;
Orientações pós doação:
Os doadores de sangue devem ser orientados a informar o local onde realizou a doação de sangue caso apresentem sinais e sintomas sugestivos de infecção pelo Zika e/ou caso tenham sido diagnosticados pela infecção em até 14 dias após a doação.
Nestas situações, os hemocomponentes produzidos que ainda se encontram em estoque devem ser descartados ou encaminhados para pesquisa.
Caso algum desses componentes sanguíneos já tenha sido transfundido, o banco de sangue deverá informar o médico do paciente que recebeu a unidade pararealizar a rastreabilidade e acompanhamentos dos respectivos receptores.
Testagem laboratorial do sangue doador: Até o presente momento não há nenhum teste laboratorial para o vírus Zika licenciado para triagem do sangue doado. Testes moleculares experimentais desenvolvidos “in house” para detecção do RNA viral poderão ser utilizados em projetos de pesquisa. Importante considerar que essa metodologia tem um alto custo e é difícil de ser implantada em grande escala. O antígeno viral é outro marcador potencialmente detectável no período virêmico e assintomático. No entanto, testes antigênicos tem em geral baixa sensibilidade quando comparados com o teste NAT. Anticorpos contra o vírus Zika são detectáveis nos estágios tardios da infecção e não são úteis para identificação da doença ativa, além de apresentarem reatividade cruzada com anticorpos dirigidos contra outros flavivírus como o vírus da dengue e da febre amarela.
Quarentena de componentes sanguíneos = concentrados de hemácias e componentes plasmáticos podem permanecer em quarentena por um período de 7-14 dias e serem liberados para transfusão somente após ser confirmada a ausência de sinais, sintomas ou diagnóstico da doença no doador. Embora a maioria dos doadores infectados pelo vírus Zika serem assintomáticos, quarentena pode prevenir a transmissão transfusional por uma pequena minoria de doadores viremicos que se tornarão sintomáticos após a doação de sangue. Importante salientar que essa estratégia é de difícil implantação e de baixa efetividade.
Métodos de inativação de patógenos podem ser utilizadas para inativação do vírus Zika, entretanto os métodos atualmente disponíveis estão validados apenas para utilização em concentrados de plaquetas e componentes plasmáticos, não podendo ser utilizados em concentrado de hemácias e sangue total. Embora os testes de inativação de patógenos tenham se mostrado eficazes para outros flavívirus como Vírus do Oeste do Nilo e vírus da dengue, ainda não existem informações específicas a respeito da inativação do vírus Zika.
Na eventual adoção de um teste NAT “in house” para detecção do RNA viral, as seguintes recomendações devem ser observadas:
O teste deve ser aplicado como protocolo de pesquisa, com aprovação dos órgãos competentes e com termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo doador e o receptor ou responsável, no qual esteja clara a natureza experimental do teste adotado;
O teste deve ser validado com amostras clínicas já caracterizadas como positivas para o agente;
O perfil de especificidade do teste deve ser verificado com pelo ensaio 500 doações negativas para Zika;
O teste deve ser realizado por método de amplificação fechado, ou seja, PCR em tempo real ou semelhantes, sem a necessidade de manipulação do material amplificado, dado o risco de contaminação que pode gerar resultados falso positivos;
O teste deve incluir um controle interno. Quando o controle interno for não reativo invalida a reação;
Controles negativos e positivos bem caracterizados devem ser utilizados em todas as análises;
Qualquer doação positiva deve ser confirmada numa segunda amostra do doador. Se repetidamente reativa, o doador deve ser notificado assim como os órgãos competentes. Considerar que, de acordo com o período compreendido entre a coleta da primeira e da segunda amostra, a pesquisa de RNA viral pode se tornar negativa devido ao curto período de viremia.