A PEC nº 10/2022, proposta pelo Senador Nelsinho Trad, busca reformar o artigo 199 da Constituição, abordando a produção de hemoderivados no Brasil. Esta PEC visa solucionar um dos principais problemas de saúde pública do país: a escassez de hemoderivados para tratar os pacientes brasileiros. Foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e deve prosseguir para análise do plenário.
O assunto tem gerado debates em diversos setores da sociedade e tem particular interesse da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) que é a especialidade médica que abriga os profissionais especialistas no tema.
Desmistificando Questões Técnicas e Políticas
Recentemente, temos observado a publicação de diversos artigos em várias mídias que demonstram falta de conhecimento técnico e científico sobre o tema. É crucial fornecer esclarecimentos técnicos, científicos, operacionais e éticos relacionados às necessidades dos medicamentos hemoderivados para garantir um atendimento adequado aos pacientes brasileiros.
Segurança da Doação de Plasma
Os avanços tecnológicos recentes garantem que os hemoderivados produzidos a partir do plasma humano doado sejam altamente seguros, superando as transfusões de sangue convencionais, visto que sendo produtos industrializados passam por processos de inativação absoluta de quaisquer agentes infecciosos, bacterianos ou virais, como HIV, Hepatites e outros, tornando a transmissão desses agentes inexistente.
Quem Necessita de Hemoderivados
A imunoglobulina, um dos principais hemoderivados, é amplamente utilizada para tratar diversos pacientes, incluindo aqueles com imunodeficiência primária ou secundária, doenças autoimunes e receptores de transplantes. Países desenvolvidos consomem muito mais imunoglobulina per capita, cerca de dez a quinze vezes, do que o Brasil, indicando uma carência significativa no tratamento de pacientes brasileiros.
Produção de Hemoderivados no Brasil
Atualmente, todo plasma coletado no Brasil é remetido para produção de hemoderivados no exterior. A fábrica de hemoderivados – Hemobrás – criada pelo governo federal em 2004, mesmo quando estiver operando a plena capacidade de fracionamento, de 500.000 litros de plasma por ano, atenderá apenas uma fração da necessidade de imunoglobulina, em torno de 10%, para tratar adequadamente os pacientes brasileiros.
A PEC vai permitir a participação da iniciativa privada na construção de novas fábricas para suprir essa carência. A construção de mais fábricas criará o sinergismo necessário entre os setores público e privado, garantindo um atendimento adequado aos pacientes brasileiros.
Coleta de Plasma
A coleta de plasma no Brasil é atualmente insuficiente (cerca de 200.000 litros/ano) para suprir a demanda, sendo que seriam necessários pelo menos 1 milhão de litros. Essa quantidade de plasma não poderá ser atendida pela expansão da coleta de sangue total porque geraria desperdício inaceitável de componentes sanguíneos, como o concentrado de hemácias e concentrados de plaquetas. A coleta de plasma por aférese seria a única forma técnica de se atingir esses volumes.
A introdução sistemática da coleta de plasma, ao contrário do que alguns alegam, não afetará a oferta de sangue para transfusões e nem diminuirá o número de doadores nos hemocentros e bancos de sangue do país, a exemplo do que ocorre nos países que realizam essa prática onde se observam taxas de doação de sangue mantidas e crescentes.
Questões Éticas
A remuneração de doadores de plasma é praticada em alguns países e sempre foi uma questão social e ética delicada. A ABHH sempre defendeu e continua defendendo a doação altruísta e voluntária, seja de sangue total, seja de plasma. A possibilidade de remuneração foi retirada dessa proposta da PEC 10/2022 o que assegura que os doadores continuarão a contribuir de forma altruísta.
Aspectos Legais
O avanço mais significativo da PEC 10/2022, que propõe modificações no artigo 199 da Constituição, é a permissão para a iniciativa privada participar da coleta e processamento de plasma para produção de hemoderivados. A própria Constituição Federal garante que a prestação de serviços de saúde também é livre à iniciativa privada e a proibição seria inconstitucional.
Conclusões
Os pacientes brasileiros que necessitam de imunoglobulina enfrentam desafios de disponibilidade desse medicamento. A PEC 10/2022 aborda essa questão, permitindo uma resposta mais adequada às necessidades de tratamento dos pacientes, abrindo a possibilidade de participação privada que, somada às inciativas públicas já em curso, permitirá enorme avanço ao país que poderá atingir a autossuficiência em hemoderivados, que foi proposta como objetivo de política de saúde pública pela primeira vez em 1980.