Vivemos tempos difíceis. Atravessamos talvez a pior crise de nossa história enquanto país independente: uma crise que não é apenas política, mas muito mais profunda, que envolve aspectos econômicos e até, por que não dizer, civilizatórios. Uma crise que nos atinge como cidadãos, pais, professores e pesquisadores, mas principalmente como médicos, profissionais preparados para lidar com a dor, com o sofrimento, com a doença do ser humano.

A área da saúde, principalmente o sistema público de saúde, certamente é um dos setores mais afetados pela crise atual. Os recursos, que já não eram abundantes antes da crise, agora se tornam escassos diante na nova realidade econômica do País. A área de hematologia, hemoterapia e terapia celular é extremamente dependente de insumos, medicamentos e reagentes importados.  O dólar do dia de hoje, na casa dos R$ 3,75, estava na casa dos R$ 2,55 há exatamente um ano, aumento de 46% em 12 meses. A inflação nominal medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) está na casa dos 10%. Portanto, nos últimos 12 meses, sofremos uma corrosão considerável do nosso poder de compra.

Neste contexto, seria razoável esperar, se houvesse uma responsabilidade maior das nossas autoridades, uma recomposição orçamentária para fazer frente a essa variação negativa do poder de compra dos orçamentos dos serviços públicos de saúde, principalmente daqueles como os serviços de hematologia e hemoterapia. No entanto, isso não está sendo feito e não existe a perspectiva em curto prazo. As consequências danosas dessa situação já se faz sentir de forma aguda. Temos observado diminuição importante das atividades e mesmo o fechamento de serviços públicos como ambulatórios de leitos e hospitais de ensino.

Na área dos hemocentros públicos, que nos afeta diretamente, a crise não poderia ser mais grave. Os hemocentros públicos brasileiros estão ameaçados pela inadimplência e, se nada for feito, em breve poderemos ter uma crise de abastecimento de sangue e componentes para os hospitais atendidos pela rede. Urge, pois, que nos mobilizemos para enfrentar essa situação que poderá atingir diretamente nossos pacientes e também alertar a população para o perigo iminente de desabastecimento de sangue e as consequências catastróficas que essa situação implica.

O alerta é da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH). O Sistema Único de Saúde (SUS) está doente, morrendo de inanição financeira. Apresentado o sintoma, ouso também adiantar o diagnóstico: essa situação pré-falência que vivemos é fruto do descaso, da mentira, da ambição desmedida, da corrupção, da falência moral, do apego desmedido ao poder de alguns de nossos mais altos políticos e governantes. Nosso país está doente, acometido por esse câncer maligno que não pode ser tratado com medidas paliativas. A situação é grave e precisamos de intervenção radical, precisamos do bisturi da moral, do bisturi da decência e temos competência para manusear esses instrumentos.

*Dimas Tadeu Covas é presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), diretor-presidente da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto e professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto daUniversidade de São Paulo (FMRP-USP).

 

CONGRESSO DE HEMO